Partir. Sair. Deixar-se
um dia perder a cabeça. Tornar-se vários, desbravar o exterior, quebrar em
algum lugar. Três modos de se expor. Não posso aprender sem exposição, às vezes
perigosa. Nunca mais saberei quem sou, onde estou, de onde venho, aonde vou,
por onde passar. Eu me exponho às estranhezas. Sou um estranho. Nenhum
aprendizado dispensa a viagem. A educação empurra para fora. Parte, sai,
dilacera. Sai do ventre de minha mãe, do berço, da sombra oferecida pela casa e
pela paisagem juvenil. Ao vento, sob a chuva, do lado de fora os abrigos são
poucos. Viagem das crianças, eis o sentido lato da palavra grega pedagogia.
Aprender: lançar-se a errância. Explodir em pedaços para se lançar em um
caminho de destino incerto exige certo heroísmo trágico que, sobretudo, o louco
parece capaz de mostrar. Enlouquecer: conduzir para outro lugar, nadar.
Bifurcar a direção natural das coisas, a dita natural pelo menos. Tomar o
corpo, a língua, a alma a contrapelo. Um caminho transversal que conduz a um
lugar ignorado. Jamais a estrada pode ser fácil, melhor atravessar o rio a
nado.
Ninguém sabe nadar de
fato antes de ter atravessado, sozinho, um rio largo e impetuoso, um braço
de mar agitado. Só existe chão em uma piscina, território para pedestres
em massa. Nada aprendi sem que tenha partido, se é que aprendi algo, se é que
se aprende algo, nem ensinei ninguém nem ninguém me ensinou nada sem
convidar-me a deixar forçosamente o ninho. Partir exige um dilaceramento que
arranca uma parte do corpo, uma parte do meu corpo, a parte que permanece
aderente à margem do nascimento, à vizinhança do parentesco, à casa, à aldeia
dos usos, à cultura da língua e a rigidez dos hábitos. Quem não se mexe nada
aprende. Sim, parti, dividir-me em partes. Meus semelhantes talvez me condenem
como um irmão desgarrado. Olha lá vai ele: o louco! Tornei-me vários, às vezes,
quase sempre, incoerente como o universo que, no início, explodiu, contam por
aí, com um enorme estrondo. Sou feito de estrondos. Parti, e tudo então
começou, pelo menos a minha explosão em mundos à parte.
Por onde, logo esta
questão coloca novos dispêndios. Um professor, desses como todos nós, conhece o
lugar para onde leva o nadador, que ainda o ignora mas a seu tempo o
descobrirá. Esse espaço existe, terra, cidade, língua, gesto ou teorema. A
viagem é para lá! - diz a placa. Mas é
que a corrida começou a seguir curvas de nível, segundo um perfil, cada vez
mais estranho, dependente ao mesmo tempo das minhas pernas e do terreno que
elas atravessam, chão pedregoso, deserto ou mar, pântano ou parede. Ora, quase
sempre desconhecia o lugar e o uso que podia fazer das minhas pernas. Mas é que
ninguém te conta da passagem, do sofrimento, da coragem, dos tormentos do
náufrago provável, da rachadura aberta no tórax pelo estiramento dos braços, das
pernas e do longo traço de esquecimento e de memória que marca os eixos desses
rios infernais, chamados de angústias por nossos ancestrais.
Parti, mergulhei. Depois
de ter deixado a margem, continuei durante algum tempo muito mais perto dela do que
da outra à sua frente, tempo bastante, pelo menos, para meu corpo aplicar-se
ao cálculo e silenciosamente refletisse: você ainda pode voltar! Até um certo
limiar, conservei a segurança: o mesmo que dizer: não, você ainda não partiu!
Do outro lado da aventura: um pé confia na minha aproximação desde que tenha
ultrapassado um segundo limiar: você está tão próximo da margem que pode dizer
que já chegou! Nos dois casos, não importa: terra e chão. Eu não nadei,
esperava nadar, como quem salta, decola e atinge o chão, mas não permanece em
vôo. Talvez seja eu uma andorinha desengonçada. Nadar exige saber que um
segundo rio corre neste que todo mundo vê, atrás ou à frente as margens
desaparecem.
Um dia, a qualquer momento,
em todo o momento, cada um passa pelo meio do rio, estado estranho de mudança
de fase, que se pode chamar de dor: nada-dor. Quão hipersensíveis, afetados,
rejeitando a afetação, ficamos no momento de transpor os portais. Esse estado vibra
com uma instabilidade entre o equilíbrio e o desequilíbrio, entre o ser e o
nada. A dor habita um lugar central e periférico: em forma de estrela refletida
na água. Na direção do centro do plexo , uma plataforma estrelada lança seus ramos virtuais : um buquê. É este o estado de sensibilidade vibrante, alterada,
alerta, desperta, chamamento para a fera que rasteja, espreita, espia, todos os
sentimentos em todos os sentidos para todos os lados. Era uma vez, o sol.